O que houve com Carlinhos?
- Sabrina M. Szcypula
- 26 de jun. de 2023
- 10 min de leitura
O sequestro de Carlos Ramires da Costa que segue a 49 anos sem nenhuma solução.

Carlos Ramires da Costa era um menino brasileiro da Zona Sul do Rio de Janeiro de apenas 10 anos, sendo um dos filhos mais novos entre sete crianças do proprietário da indústria farmacêutica Unilabor, João Mello da Costa e da dona de casa Maria da Conceição Ramires da Costa.
Mais conhecido como Carlinhos, o garoto tinha cabelos loiros e cacheados, e era descrito por quem o conhecia como um pequeno “anjo”, principalmente por conta de sua aparência.
Todo o caso ocorreu em 1973, quando Carlinhos foi sequestrado de sua própria casa. A maior pista deixada para trás com a possibilidade de resgatá-lo bem e com vida, foi um bilhete de resgate deixado por seu raptor, entretanto o caso permanece insolúvel e o menino jamais foi encontrado.
Sequestro
Por volta das 20h da noite, no dia 2 de agosto de 1973, Carlinhos encontrava-se assistindo à novela com sua mãe e seus irmãos mais velhos na sala de casa. Os irmãos presentes no local naquele momento eram Vera Lúcia de 15 anos e mais velha entre todos, Carmen de 14, Eduardo de 13 e João de 11.
Segundo a mãe do menino, enquanto assistiam a novela ocorreu um corte na energia, o que deixou a casa às escuras. Na tentativa de entender o que aconteceu, Vera Lúcia se encaminhou até a porta para ver se a luz tinha caído apenas na casa deles ou se era na rua inteira já que estava chovendo, no entanto ela foi abordada por um homem armado que a segurou e entrou dentro da residência. A família relatou que ele trancou todos dentro do banheiro e pediu pela criança mais nova, apenas falando que não faria mal ao menino e o levando consigo, deixando para trás apenas um bilhete de resgate.
O pai do menino não estava em casa no exato momento em que tudo aconteceu, já que fazia uma entrega em Copacabana, no entanto ele chegou pouco após o ocorrido com os filhos mais novos junto de si. João chegou a correr atrás do sequestrador juntamente a um de seus funcionários, Abel Alves da Silva até um matagal, mas acabaram perdendo o homem de vista e indo até a polícia militar para denunciar o sequestro.
O bilhete que o sequestrador deixou na residência continha divergentes erros de protuguês, além de ter sido escrito em letra de forma e em um pedaço de papel de caderno comum. O valor solicitado pelo resgate era de 100 mil cruzeiros, equivalente a R$368 mil, que deveria ser entregue até o dia 4 de agosto. Mesmo sendo proprietário de uma farmácia, João não tinha o dinheiro necessário para realizar o pagamento do sequestro, então foram feitas várias doações na intenção de ajudar a família a conseguir o valor solicitado.
“Aviso a você que a criança esta* em nosso poder e só entregaremos após ser pago o resgate de cem mil cruzeiros. Esta importância deverá cer* em pequeno volume e metido dentro de uma bolsa e deverá cer* depositado ensima* de uma caixa de cimento que fica situada na Rua Alice cruzando com a Rua Dr. Júlio Otoni*, junto a duas placa* no dia 4/8/1973 às 02:00 horas, digo duas horas do dia quatro, e lembre si* de que qualquer reação a vítima será liquidada. OBS: Depois de ser feito este depósito deverão seguir em direção ao Rio Comprido e esta carta deverá ser devolvida no ato.” — Bilhete exatamente como foi escrito.
Ao serem notificados do caso, o Corpo de Bombeiros e a 9° Delegacia de Polícia Civil foram até o local por volta das 21h e iniciaram as buscas pelo matagal que João informou ter perdido o sequestrador de vista. As buscas duraram até o início da madrugada daquele dia, mas retornaram assim que amanheceu.
No dia seguinte, o bilhete de resgate foi publicado na íntegra pela mídia e gerou uma grande repercussão na população. O local estipulado pelo sequestrador estava repleto de policiais disfarçados que não sabiam exatamente como prosseguir com uma negociação pela criança e repórteres à procura de ter acesso à cena em primeira mão. O pai do menino chegou a colocar o pacote com algumas cédulas de cem cruzeiros por cima de papéis picados sobre a caixa de cimento citada no bilhete, no entanto nenhum suspeito compareceu ao local para fazer a negociação.
Investigações Policiais
No primeiro momento, mesmo com as descrições dadas pelas crianças, pais e pelo funcionário de João sobre o sequestrador, não foi feito nenhum retrato falado para ser divulgado na tentativa de identificar o suspeito.
No dia 4 de agosto de 1973, mesmo dia onde deveria ter ocorrido a negociação para resgatar Carlinhos, as investigações policiais foram iniciadas. Os primeiros a serem interrogados pelos policiais foram os diretores da clínica médica Dr. Filizzola, localizada ao lado da casa de Carlinhos e que demonstraram anteriormente interesse em comprar a residência da família, o que poderia vir a ser uma motivação para o sequestro.
O primeiro suspeito a ser detido foi Kleber Ramos, levando em consideração algumas informações que a irmã mais velha de Carlinhos, Vera Lúcia, deu para a polícia. Kleber trabalhava como marceneiro na clínica e supostamente teria sido contratado para realizar o crime na intenção de forçar a família a vender o imóvel pelo preço estipulado. O homem foi liberado após 3 dias na prisão após um habeas corpus expedido pelo juiz Santiago Dantas, da 14° Vara Criminal após confirmar o álibi de Ramos.
Após exames realizados pelo perito Carlos Éboli, foi confirmado que o bilhete deixado na casa pelo sequestrador havia sido feito 3 dias antes de todo o ocorrido, e que os erros gramaticais foram colocados de forma proposital na intenção de dificultar as investigações. Com essa confirmação, a família da criança entrou como suspeita dentro das investigações, já que poderia ser algo premeditado por eles na intenção de conseguir dinheiro.
Ao analisar a família, a polícia descobriu que Maria da Conceição usualmente frequentava a sessão espírita naquele horário, no entanto justamente naquela noite em que ela deixou de comparecer o crime ocorreu, o que levantou uma certa estranheza, além do relato de que ao que a polícia chegou na casa após ser notificada, a mulher se encontrava assistindo televisão, sem parecer muito preocupada.
Ao ser chamada para depor, o fato de Maria sempre se produzir, utilizando até mesmo de perucas para parecer mais bonita causou ainda mais suspeita, ela também aparentava gostar da atenção da mídia, já que sempre se mostrava disposta a aparecer nas câmeras, sorrindo e acenando muito. Um outro ponto que chamou as atenções da polícia para ela foi após a polícia ser informada que a mulher era pouco cuidadosa com os filhos e gastava o dinheiro que recebia em bilhetes de loteria e roupas apenas para si.
O pai de Carlinhos também foi considerado um suspeito por estar em um momento de grande dificuldade financeira, o que o teria motivado a montar um falso sequestro para arrecadar dinheiro. De fato, todo o valor arrecadado por doações pela comunidade para conseguir o dinheiro do resgate foi cerca de 300 mil cruzeiros, e não se sabe com exatidão o que ocorreu com o valor arrecadado.
No início de 1974, o assaltante Adilson Cândido da Silva entregou-se à polícia, alegando ser o sequestrador de Carlinhos e ter jogado o corpo do menino ao mar sob o mandato do pai da criança. O pai de Carlinhos chegou a ser preso mas liberado no dia seguinte com um habeas corpus, no entanto em seu curto período dentro da cadeia ele foi humilhado, torturado, estuprado e ofendido pelos detentos. Seis meses após o crime ter ocorrido, foi encontrado uma ossada na praia da Engenhoca, um local citado por Adilson, no entanto foi comprovado que o corpo não era de Carlinhos, além do testemunho ter se mostrado falso em meio às investigações.
Toda a desconfiança em torno do casal resultou no divórcio dos dois após 19 em conjunto, já que os dois não confiavam mais um no outro. Segundo Maria, ela desconfiava inclusive da família do agora ex-marido, pois eles a ameaçaram em muitos momentos, incluindo ameaças envolvendo Carlinhos.
A hipótese do sequestrador ser um conhecido também foi levantada, pois os 3 cães da família não tiveram nenhuma reação com o invasor, além deste também parecer conhecer a casa já que cortou os fios da caixa de luz que se localizava em uma parte pouco evidente da casa.
Uma ligação anônima indicou uma casa na Rua Barão de Petrópolis como sendo o primeiro local onde Carlinhos foi levado para ser mantido em cárcere. Segundo o denunciante, ele teria visto um homem indo em direção ao casebre no dia do sequestro com um menino parecido com a criança. O número da placa foi anotado pela pessoa que denunciou e enviada para a polícia, dando até um táxi Opala.
A polícia chegou a ir nesse casebre, no entanto não encontrou nada que indicasse qualquer indício de Carlinhos. O local estava completamente vazio, sem nenhum móvel e tendo apenas um pacote de velas jogado em um dos cômodos.
Uma semana após o sequestro, Ademar Augusto de Fraga Filho, conhecido como Capoeira e ex-agente da Polícia Judiciária, foi posto como um novo suspeito. A motivação do crime seria vingança por um grupo de contrabandistas que teriam sido de certa forma atrapalhados pelo pai de Carlinhos, no entanto ele já era procurado pela polícia, acusado de pertencer ao Esquadrão da Morte (uma esquadra paramilitar armada composta por policiais, insurgentes e terroristas que realizam execuções extrajudiciais).
O contrabandista José Pereira de Brito e Júlio de Carvalho, responsáveis por terem realizado um sequestro de um menino em 1966 também foram convocados pela polícia para fazer um exame grafotécnico, no entanto eles não apresentavam nenhuma ligação.
No dia 10, cerca de 7 pessoas incluindo funcionários das clínicas Dr. Filizzola e Instituto Fleming, que também era vizinho da casa de Carlinhos, foram chamados para serem interrogados. Cerca de dois dias após isso, a secretária da empresa de João Mello e também filha da mulher que foi presa dentre as 7 pessoas, Maria Margarida da Silva, confessou ser a autora intelectual do sequestro. Sua justificativa seria a de utilizar o dinheiro do sequestro para cobrir um desfalque que fez na empresa. Essa confissão foi posteriormente desmentida pelas autoridades.
O possível sequestrador entrou em contato pelo número à disposição da população e chegou a marcar um novo encontro para receber a quantia do resgate. Um esquema policial foi montado para lidar com toda a situação, entretanto ninguém apareceu e não entraram mais em contato. Tudo isso levou a polícia a acreditar que o sequestro não foi motivado pelo dinheiro.
O comissário da 9° Delegacia, Teodorico Murta, foi fotografado enquanto disfarçado com roupas consideradas femininas, afirmando posteriormente que estava investigando alguns suspeitos e por isso estava disfarçado. Essa iniciativa sem aprovação anterior de superiores resultou na suspensão de suas funções por 90 dias, no entanto isso não impediu que ele continuasse investigando por conta própria. Infelizmente Teodorico foi assassinado anos mais tarde.
À procura de solucionar o sequestro, um grupo de policiais torturou e prendeu a lavadeira Ranulfa da Silva, na tentativa de fazê-la denunciar Antônimo Costa da Silva, seu ex-cônjuge que trabalhava na casa de Carlinhos junto dela. Apesar de ter a hipótese de se tratar de um crime passional, a polícia também levantou a possibilidade de Ranulfa ser amante de João Mello. Posteriormente, Antônio foi apresentado como um dos sequestradores.
Outros Suspeitos
Vários outros nomes surgiram em meio às investigações como suspeitos, sendo um deles o mecânico José da Silva, que se apresentou na 9° Delegacia no mesmo dia em que foi chamado. José estava em uma situação financeira complicada com João de Mello, devido a ter deixado de pagar uma dívida para o homem, no entanto não houve nada que pudesse ligá-lo ao sequestro.
Maria da Conceição chegou a apontar para a polícia Raimundo Pereira Lulu como suspeito, já que este teria tentado seduzi-la anteriormente e se frustrado, o que acarretaria em uma motivação para sequestrar a criança, mas novamente, nada que o ligasse ao crime foi encontrado.
Celso Vasconcellos de Passos e seu cunhado, Francisco de Almeida chegaram a ser detidos como suspeitos por Celso ter uma dívida de 15 mil cruzeiros com João Mello. Infelizmente, novamente não foi uma linha de investigação que levou em algum lugar e nenhum dos dois esteve conectado ao caso.
Quatro anos após o sequestro do irmão, Vera Lúcia relatou à polícia que reconheceu o funcionário de seu pai Sílvio Azevedo como o sequestrador do menino. No dia do crime, Vera afirmou ter sentido um cheiro forte e semelhante aos produtos manipulados no laboratório do pai, o que levantou a suspeita de Sílvio como o sequestrador e de João como o mandante mais uma vez. Sílvio chegou a ser condenado na 17a° Vara Criminal por 13 anos em 30 de dezembro de 1985, no entanto os advogados recorreram e ele foi absolvido.
Influência da Mídia
A mídia pode ser considerada uma motivação para o caso de Carlinhos nunca ter sido solucionado, já que a divulgação de informações contidas no bilhete foi deveras prejudicial, e possivelmente acarretou no sequestrador nunca comparecer ao local demarcado para receber o valor do resgate.
Outro ponto que se mostrou um grande problema, é que a mídia não deixava nenhuma informação, seja ela verdadeira ou não, passar sem ser checada anteriormente, então sempre publicaram várias informações sobre o garoto, e em sua grande maioria eram informações falsas, o que foi muito prejudicial para as investigações.
Para o jornalista Celso de Martin Serqueira, um dos primeiros a chegar na casa da família e que acompanhou o caso até o final, a maior suspeita de possível envolvimento era exatamente a mãe de Carlinhos, já que ela exibia um comportamento extravagante no decorrer das investigações, principalmente com à imprensa, o que era considerado uma atitude suspeita.
Outro jornalista que cobriu o caso foi Maurício Menezes, e para ele, o caso de Carlinhos pode ser um dos maiores mistérios da crônica policial brasileira, principalmente porque na época, o Brasil estava em plena ditadura militar e havia muitos sequestros de cunho político, mas sequestros que solicitavam resgate sem maiores motivos aparentes, principalmente de crianças, não era algo comum.
Processos na Justiça
O inquérito da polícia para apurar o sequestro da criança só foi oficialmente aberto no dia 26 de março de 1977, três anos e meio depois de todo o caso ter ocorrido. Anteriormente a essa data, apenas tinha o procedimento investigativo feito pelo Departamento de Polícia.
Com esse inquérito finalmente aberto, os policiais ouviram todos os suspeitos incluídos no caso mais uma vez, e a conclusão do inquérito foi divulgada no dia 25 de novembro de 1977, fechando o caso de Carlinhos após isso.
Infeliz Conclusão
Apesar de todas as acusações, a mãe de Carlinhos continua à procura do filho, mesmo que acredite que ele possa sim estar morto, diferente do pai do menino e dos irmãos, que já não possuem mais nenhuma esperança de encontrar Carlinhos, seja com vida ou não. Atualmente o João casou-se novamente e mora com a esposa no Rio de Janeiro, já Maria também continua morando no estado e regularmente recebe visitas de um dos homens que se apresentou como o Carlinhos.
Nunca houve nenhum resultado de DNA que indicasse alguém como sendo o Carlinhos, seja um corpo como o encontrado na praia, ou um dos homens que esporadicamente apareciam dizendo ser o garoto, igual o que ainda visita Maria da Conceição, que acreditava que poderia ser o menino por ter crescido sem conhecer os pais e não se lembra da infância.
Até hoje, o caso é um grande mistério da polícia carioca, deixando um sentimento amargo para trás pela impunidade e pela dúvida.
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