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Brandon Teena: Uma Vida Tirada pela Intolerância

  • Foto do escritor: Sabrina M. Szcypula
    Sabrina M. Szcypula
  • 31 de mai. de 2023
  • 7 min de leitura

Considerado até os dias atuais como um dos crimes de ódio mais hediondos dos EUA.




Quem foi Brandon Teena

Brandon Teena (Lincoln, 12 de Dezembro de 1972 - Humboldt, 31 de Dezembro de 1993) foi um homem transsexual estadunidense que foi brutalmente estuprado e assassinado no estado do Nebraska motivado pela intolerância e transfobia. Seu assassinato foi um dos mais notórios e brutais crimes de ódio da década de 90 dos EUA, sendo um marco para a pauta LGBTQ+ do país e segue até os dias de hoje sendo lembrado, além de também ilustrar a discriminação legal e médica perante quem era LGBTQ+ na época.

Brandon cresceu em uma família conservadora de Lincoln, tendo até mesmo frequentado por alguns anos de sua infância a escola católica. Durante seus três primeiros anos de vida, ele morou com sua avó e sua irmã mais velha, decorrente do falecimento de seu pai em um acidente de carro ainda antes de seu nascimento, no entanto sua mãe JoAnn reclamou pela guarda dos filhos e começou a cuidar deles, mesmo que tivesse de se desdobrar para sustentá-los trabalhando como balconista em uma loja feminina, mas também recebendo auxílio governamental por invalidez.

Desde muito jovem, não só Brandon como sua irmã Tammy eram constantemente abusados sexualmente por um tio, esse abuso perdurou por anos e acarretou em diversos traumas, no entanto os ocorridos só vieram a ser revelados quando Brandon começou a fazer terapia em 1992, um ano antes de toda a tragédia acontecer.

Ainda durante sua infância Brandon já começou a se identificar pelo gênero masculino, sua mãe não aceitava a forma como Brandon se identificava e sempre se referia a ele pelo gênero feminino, o que o incomodava e fazia com que este tivesse sempre que lutar para ser reconhecido como gostaria, além de também ter problemas na escola, já que ele "desrespeitava" as normas de vestimenta e também insistia para ser tratado no masculino.

Aos poucos Brandon começou a se vestir com roupas consideradas masculinas e amarrar os seios para não ficarem mais em evidência, assim assumindo sua identidade masculina. Em seu último ano escolar inclusive chegou a se alistar para as forças armadas, colocando em sua inscrição que era do sexo masculino, no entanto foi por conta desse tópico que ele não foi aceito.

Em 1991, com 19 anos, Brandon iniciou seu primeiro grande relacionamento com Heather, uma garota mais nova (em torno de 14 ou 15 anos) e pouco depois começou a trabalhar em um posto de gasolina na intenção de comprar um trailer para si e para a namorada.

Sua mãe não apoiava o relacionamento de Brandon e, em janeiro de 1992, ele foi submetido a uma avaliação psiquiátrica, chegando ao resultado de que Brandon estava “sofrendo uma grave crise de identidade sexual”. Após os resultados ele foi levado para o Lancaster County Crisis Center para garantir que não era uma pessoa suicida e teve alta do local após três dias de internação, começando a frequentar sessões de terapia após ser liberado.

Mesmo que relutante, ele acabou discutindo sobre sua identidade de gênero durante as sessões de terapia e foi também onde revelou sobre os estupros que sofreu junto da irmã nas mãos do tio quando era criança. Depois de sofrer diversas vezes discriminação por ser um homem trans em sua cidade e por alguns problemas legais relacionados à sua identidade, já que ele sempre se identificava no masculino e sua documentação ainda se encontrava no feminino, Brandon teve de se mudar para Falls City em 1993.

Com a mudança, Brandon decidiu que iria começar uma vida nova, aproveitando do fato de que em Falls City ninguém sabia nada sobre sua história, então ele poderia ser apenas o Brandon e não voltar a ser chamado por nomes femininos e ser desrespeitado.


Antes do Crime

Já em Falls City, Brandon conheceu Lisa Lambert, uma mãe solteira que lhe abrigou no momento em que chegou na cidade e com quem manteve um breve relacionamento. Além de Lisa, Brandon também criou uma amizade com dois ex-presidiários chamados John Lotter e Marvin Thomas “Tom” Nelson, além de outro homem chamado Phillip Devine. Depois de determinado tempo em Falls City, Brandon começou a se relacionar com Lana Tisdel que era uma amiga de infância e ex-namorada de Lotter.

Uma semana após ter conhecido Lana e começado a se relacionar com ela, no dia 15 de dezembro de 1993, Brandon foi preso por fraudar cheques. Segundo algumas versões, Lana foi quem pagou a fiança, no entanto não entendeu quando foi levada à ala feminina acompanhada de Lotter para buscar Brandon. Mesmo com essa confusão, foi apenas durante a apresentação para o juiz que o nome morto e sexo designado ao nascer de Brandon foram descobertos, o que enfureceu Lotter e Nisse, além de ter sido o motivo para o fim de seu relacionamento com Lana, mesmo após ele lhe afirmar que iria realizar a cirurgia para mudar de sexo.


O crime contra Brandon

No dia 24 de dezembro, Nissen e Lotter agarraram Brandon durante uma festa de Natal que estava ocorrendo na casa de Nissen e o obrigaram a tirar suas calças na frente de Lana para mostrar suas genitais femininas, que apenas olhou quando foi forçada, no entanto não disse uma palavra. Na manhã de Natal, os dois sequestraram Brandon e dirigiram para uma área dentro de uma fábrica de embalagens de carne, onde começaram a espancá-lo e, em seguida, a estuprá-lo. Decididos a continuar com seus atos, a dupla levou Brandon para a casa de Nissen, de onde ele escapou após escalar a janela do banheiro e se dirigiu para a casa de Lana, onde foi aconselhado pela mulher a registrar um BO contra os agressores.

Apesar de todas as ameaças feitas por seus agressores e de estar absurdamente abalado com toda a situação, Brandon denunciou os dois para a polícia e teve que passar na sala de emergências onde um kit padrão de estupro foi montado, no entando este foi perdido. Infelizmente ele também teve que passar por um interrogatório degradante e constrangedor orquestrado pelo xerife Charles B. Laux, que no fim não decidiu punir Nissen nem Lotter, alegando não ter provas o suficiente.

Cientes do boletim prestado contra eles, os agressores decidiram que iriam cumprir com as ameaças e foram atrás de Brandon.

No dia 31 de dezembro, por volta das 1h da madrugada, Nissen e Lotter invadiram a casa de Lisa Lambert, onde Brandon ainda estava hospedado, e assim que o encontraram escondido debaixo da cama, atiraram em sua direção e o esfaquearam apenas para ter certeza de que ele iria morrer. Em seguida os dois mataram juntamente Lisa Lambert e Phillip Devine, que também estava na casa naquela noite, eliminando qualquer pessoa que pudesse denunciá-los e que protegiam Brandon. O único sobrevivente do ataque foi o filho de oito meses de Lisa.

Os corpos dos três, juntamente do bebê foram encontrados apenas na manhã do Ano Novo, pela mãe de Lisa Lambert.


Pena

Em troca de uma pena reduzida, Nissen testemunhou contra Lotter e alegou ter sido cúmplice do estupro de Brandon e dos assassinatos, fazendo assim com que ele fugisse da pena de morte, mas fosse condenado à prisão perpétua em 1995. Lotter negou a veracidade do testemunho do parceiro, no entanto seu testemunho foi desacreditado, sendo assim considerado culpado e sendo condenado à pena de morte pela cadeira elétrica no ano seguinte.

Em setembro de 2007 Nissen retratou seu testemunho contra o parceiro e alegou que ele foi o único a ter atirado em Brandon, utilizando dessa retratação, Lotter tentou reivindicar sua inocência em 2009, entretanto sua reivindicação foi rejeitada pela Suprema Corte do Nebraska que considerou que, uma vez que os dois estavam envolvidos no estupro e nos assassinatos - já que também havia a morte de Lisa e Phillip -, a identidade do atirador de uma das vitimas não era de fato algo relevante.

Em agosto de 2011, um painel de juízes do Oitavo Tribunal de Apelações do Circuito dos EUA rejeitou o recurso solicitado por Lotter, em outubro do mesmo ano o Oitavo Circuito também rejeitou o pedido que Lotter realizou para uma nova audiência e mesmo com uma petição para que uma nova audiência ocorresse, a Suprema Corte decidiu manter sua condenação em março de 2012.

Em abril de 2018 a defesa de Lotter tentou mais uma vez uma apelação, alegando que, por conta do homem possuir um baixo QI, ele era intelectualmente incapaz de ser executado, mas em agosto do mesmo ano a apelação foi rejeitada pela corte.

Lotter segue até os dias atuais no corredor da morte.


Após tudo

JoAnn, a mãe de Brandon, processou não só o condado de Richardson, como também o xerife Laux por não terem evitado a morte de seu filho e por toda a negligência que tiveram sobre seu caso. Ela ganhou o processo que foi ouvido em setembro de 1999 e recebeu uma indenização de $80.000 dólares. O juiz do tribunal distrital da época chegou a reduzir o valor em 80% com base na responsabilidade de Nissen e Lotter e em 1% na suposta negligência do próprio Brandon, no entanto isso levou a um julgamento de responsabilidade remanescente contra Richardson Country e Laux de $17.360,97 dólares.

Em 2001, a Suprema Corte do Nebraska reverteu as reduções impostas anteriormente e restabeleceu o valor original por “sofrimento mental”, além de adicionar $6.223,20 dólares por conta das despesas funerárias. Ainda no mesmo ano, o juiz concedeu ao demandante um adicional entre $5.000 a $12.000 por morte por negligência e de $7.000 pela imposição intencional de sofrimento emocional.

Outro ocorrido foi que Laux sofreu duras críticas por suas atitudes durante o interrogatório e por ter se referido a Brandon como “isso”. Ele segue vivo e se recusa a falar sobre qualquer coisa que envolva o assasinato de Brandon, chegando a ser agressivo verbalmente quando questionado sobre a tragédia.

O assasinato de Brandon, juntamente com o de Matthew Shepard quase cinco anos depois de todo o ocorrido, ocasionou em um aumento no lobby para leis de crimes de ódio nos Estados Unidos, e o filme relatando toda a vida de Brandon e seu assassinato Boys Don’t Cry, além de mostrar a negligência legal e médica, foi um marco importante para a comunidade LGBTQ+ por toda a visibilidade, representação e apoio que trouxe.


Obras Inspiradas

  • Brandon Teena Story - Documentário

  • Boys Don’t Cry - 1999


Fontes


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